O NASCIMENTO DO EU
Nathália Perin
01.02.2021
O Nascimento do Eu é um conceito chave em Ontopsicologia. Se conseguirmos entender bem esse conceito, de certa forma compreendemos também toda lógica por trás da Ontopsicologia.
O Nascimento do Eu está descrito no capítulo 4.4 do Manual de Ontopsicologia, mas também podemos encontrar o conceito de forma mais detalhada no livro de Meneghetti denominado “O Nascimento do EU”. Esse livro foi escrito com base a um ciclo de conferências que o autor realizou entre os anos de 1989 a 1992. Já no prefácio ele escreve que essa temática é objetivo fundamental de toda Ontopsicologia.
Nós já vamos entender como isso se dá, mas basicamente, para quem já está familiarizado com os termos, a autenticação prevê o Nascimento do Eu. Então a cada ação acertada, segundo aquela virtualidade específica do sujeito, vai existir um reforço do Eu originário, do Eu autêntico. Então ainda no prefácio está escrito que é uma temática para quem se interessa por psicologia, ética, filosofia, política, porque ela vai tratar do ser humano e do seu processo evolutivo como um todo.
Quais os temas que você entenderá nessa aula
O nascimento do Eu é algo que se dá continuamente. Trata-se de um processo evolutivo do ser humano. O ser humano utiliza as suas capacidades mentais ao interagir e se relacionar num habitat para depois incrementar, fazer ciência, tecnologia, evolução, conhecimento, arte, ele vai variar qualificando e incrementando aquele contexto. Então ao fazer isso, ele vai reforçar o Eu, reforçar a identidade, ele vai dar existência à identidade dele.
Diferente dos outros animais, o ser humano evoluindo nessa esfera, fazendo adequadamente esse processo de evolução, ele consegue tocar o ôntico, o ser. Ele consegue refletir essa dimensão muito específica e diferenciada nele.
Mas o que seria essa evolução adequada ou não adequada?
Existem duas possibilidades:
- ou a pessoa não metaboliza o objeto, e aqui sempre que eu falo em objeto, eu entendo o instrumento pelo qual o instinto de uma pessoa vai realizar o seu escopo. Então quando a pessoa não metaboliza o objeto ela frustra o seu instinto e será objetificada, justamente por frustrar aquele investimento objetal. Nesse caso aumenta a situação de não eu. Essa pessoa termina em angústia, neurose, esquizofrenia.
- ou a pessoa metaboliza o objeto nesse caso essa pessoa atinge o Nascimento do Eu. Então quando o sujeito é capaz de formalizar o objeto conforme a virtualidade dele, o objeto vai ser subjetivado, então vai ocorrer uma situação de mais Eu, ocorre o Nascimento do Eu. O eu daquele sujeito aumenta, a consciência dele aumenta, se dá uma situação de mais ser, aquele indivído emana luz, vida. Dessa realização nasce mais saúde e bem-estar, mais vida.
O ser humano é dotado dessa responsabilidade contínua, então toda vez que colocamos em ação uma escolha que é congruente a nossa essência, o resultado é o Nascimento do Eu. Porque essa ação vai ser uníssona, vai ser igual aos princípios, a ordem do cosmos, da natureza, ela será congruente com os atributos do Ser.
Daí em filosofia ontológica se estuda os atributos do Ser, mas não vou entrar nesse mérito agora, mas basicamente o ser é uno, bom, verdadeiro, belo, ele sempre é. Então, sempre que o autor fala no instinto ou no Em Si ôntico ele prevê essa ordem por trás.
Então nessa aula a gente vai explicar tudo isso detalhadamente:
1) quais tipos de eu existem;
2) como é que se formaliza o Eu, como é que o Eu nasce;
3) o que seria o Eu a Priori, o Eu Lógico Histórico;
4) como se dá a separação entre o consciente e o inconsciente;
5) como ocorre o investimento objetal.
Instâncias que determinam o Eu
Meneghetti escreve em seu livro que o eu nunca deve ser entendido apenas na esfera consciente, porque também existem todos os mecanismos de defesa, as zonas vastas do pré-consciente, do inconsciente. Então nunca devemos pensar no eu como uma estátua imutável e apenas consciente. O eu vem de um conjunto e a sua forma é dada por uma inicial dualidade objetal.
Sempre que falo em objeto, é um instrumento pelo qual o instinto vai realizar o escopo. Então o eu acontece na medida daquele encontro com aquele objeto. Trata-se de um recíproco ocasionado, é o objeto que faz o sujeito e o sujeito que faz o objeto, é naquele encontro que nasce o Eu.
Mas quais são as instâncias que determinam o Eu? Meneghetti fala em três instâncias.
A primeira, é o tecido orgânico. A nossa identidade é única. Não sei se vocês já pararam para pensar o quanto isso é maravilhoso mas os seres humanos são todos muito parecidos e ao mesmo tempo muito diferentes. Isso é o nosso tecido orgânico, ou seja, cada organismo, cada pessoa vai ter o seu modo, a sua informação, a sua estrutura que, por incrível que pareça, é única e distinta. Então somos inúmeras pessoas no planeta Terra, cada um é distinto, mesmo os gêmeos, que teoricamente são idênticos, não são tão idênticos assim. Eles têm diferenças. Então cada pessoa é distinta e tem um modo muito específico. E esse organismo vai se relacionar num meio conforme aquela determinada temática do seu modo, ainda estamos na zona do inconsciente, do organismo.
A segunda instância de formação do Eu é a interação do corpo e ambiente, então aqui é como o organismo vai interagir em determinado ambiente. Por exemplo, um homem que vive em locais frios vai ter um tipo de civilização, já o que vive em locais quentes, outro tipo. Tem o europeu, tem o brasileiro, o russo, o chinês, em cada tipologia é diferente. Uma criança que vai ouvir vozes muito calmas, serenas vai tender a ser mais expansiva, aquela que ouve vozes roucas e muito desafiadora, tende a ser mais nervosa.
A terceira instância é a incidência diretiva do organizado social, significa que o mais sempre predomina sobre o menos. Então aquele ambiente, aquela família, aquela sociedade prevalece e inside naquele sujeito. Trata-se do conjunto energético do ambiente que acaba plasmando o conjunto energético de uma pessoa. É o tipo de organização mental que vai prevalecer sobre uma determinada criança. A constituição daquela família, mais calma, tímida, expansiva, daquela sociedade, tudo isso vai prevalece na constituição do Eu.
Embriologia
Além dessas três instâncias que determinam, logo no começo do livro, Meneghetti esclarece que para compreender totalmente o conceito de eu, convém entendermos um pouco da embriologia, o processo de formação do nosso organismo. Teremos uma live exclusiva sobre embriologia o Dr. Ghelman, que é um especialista nesse tema.
Então hoje eu vou me deter brevemente para que possamos compreender de que forma existe a relação da embriologia com a Ontopsicologia. Depois vocês podem correlacionar esse tema com as próximas duas lives que teremos.
Meneghetti começa citando um químico, especialista em embriologia que se chama Alfed. Esse químico desenvolveu um estudo, onde já na sexta semana de gestação, se conseguia ouvir o ritmo, a pulsação dos órgãos do pulmão e do coração que estavam sendo formados nesse feto humano. Essas vibrações estavam no líquido amniótico muito antes daquele órgão ser formado. Identificou com isso que existe um movimento que se dá antes, em antecipação ao físico.
Com isso conclui-se que a formação energética antecipa a matéria.
Uma vez que existe essa diferenciação, não é possível voltar atrás. No exemplo, antes de tudo escutamos as vibrações e depois que o determinado órgão surge, como o coração ou o pulmão, uma vez que ele já se constituiu, não é possível que ele deixe de existir. Quando algo tende a um desenvolvimento, ele vai tender a sua maturação e a sua completude e depois de determinado não volta mais.
Em Ontopsicologia estudamos essa relação entre intenção e matéria. Energia e matéria. Então primeiro existe um invisível atuando, que depois se materializa conforme aquele precedente. Existe então a intenção e a forma.
Isso em Ontopsicologia é bastante explorado, constantemente o autor volta nessa relação de formas distintas. Esse movimento se dá em diversas esferas, não apenas na esfera biológica, como no caso do feto e de um determinado órgão, mas até uma esfera mais psicológica ou social. Em qualquer esfera essa relação acontece, trata-se de uma lei natural.
Então no nascimento do Eu ocorre o mesmo. Uma vez que o seu eu evolui, que o seu eu faz um investimento objetal e se realiza, ele não consegue voltar atrás, ele não consegue deixar de ser aquilo. Pense em vocês quando vocês olham uma foto de dois anos atrás e vocês olham e percebem que já mudaram tanto de um período para outro.
Aqui é importante retomar o conceito de virtualidade. Sempre que Meneghetti fala em virtualidade, está se referindo a uma forma específica que pode se realizar. A semente, por exemplo, tem uma amplitude, disponibilidade de se tornar aquela determinada árvore, contudo, para crescer e se tornar a tal árvore é necessário todo o meio adequado: a Terra, o ar, o clima, as interações.
No ser humano, essa dimensão intra-emotiva, intra-uterina da mãe é que dá todo o ambiente que vai constituir a criança, se fosse fazer uma analogia, é a terra da semente. Então a somática que seria o DNA é uma superfície mais aparente, mas antes existe toda a informação intra-emocional da mãe.
Essa correlação fica muito evidente nos casos de psicoterapia. Nos casos de bipolaridade, investigando mais a fundo, com base a análise de sonhos e uma boa anamnese histórica, foi possível identificar que era fruto de um estupro. Então quando estava no útero da mãe, essa mãe sofria uma dúvida em abortar ou não aquela criança. Toda aquela instabilidade emocional interferiu no feto que se desenvolveu num ambiente ameaçador. Depois, quando nasce aquela sensação pode permanecer: o amor e o ódio. Então é possível que se determine uma psicossomática. O emocional, a situação inter-emocional da mãe é muito importante.
Eu amébico
Ao nascer, logo após o nascimento a criança possui um eu amébico, não tem a consciência formada. Então aquele eu do neonato ainda não está definido, é uma ameba e é um todo instintual. Costumo dizer que é uma bolinha de Em Si ôntico, uma bolinha porque é inteiro e busca a satisfação das suas necessidades.
Aqui eu posso passar um pouco da minha experiência pessoal, porque tanto no meu período de gravidez e logo que minha filha nasceu, eu consegui sentir e vivenciar tudo isso. De fato via toda essa teoria acontecendo na minha frente.
Primeiro a força na relação entre mãe e bebe antes mesmo do nascimento. Aconteceu comigo mas também aconteceu com muitas outras pessoas que eu conheço de sonhar com o sexo do bebê, antes mesmo de ter visto em qualquer exame médico. Ou então com o nome, a aparência. Tudo isso acontece.
Logo que o bebê nasce esse eu amébico é muito evidente, é incrível de ver. Quando eu lia no livro não entendia, mas ao ver eu achei maravilhoso. O bebê, logo que nasce não olha para nenhum local específico, não domina os olhos, mas parece que sente tudo, olha para todos os lugares ao mesmo tempo e expressa tudo o que sente. Pode ter alguns espasmos, ele sorri e em seguida chora. Faz caras e bocas, todas expressões em segundos. De fato está expressando tudo o que sente no corpo, sem filtro algum e em um instante. Tirei até uma foto da minha filha com um olhar similar ao de Buda. Muito realizador observar esse ser puro experimentando o corpo.
Instinto de posse
O primeiro instinto que se manifesta nesse recém nascido é o instinto de posse. Lembrando que quando Meneghetti fala de instinto ele considera um todo mais global, uma exposição inata que o organismo tem para manter aquela identidade, então seja em nível biológico e mais adiante vamos ver em nível psíquico.
Então o instinto de posse se manifesta quando a criança pega no peito para mamar. Esse instinto se direciona para tudo o que é exigência de possuir que naquele momento é indispensável para aquele indivíduo: o beber, o comer, o dormir, a agressividade. Todos são manifestações do instinto de posse. Esse instinto se revela no neonato e depois vai prosseguir sempre em formas mais evoluídas.
Em seguida começa o hábito de pegar objetos e colocar na boca. O bebê faz muito isso. Lembro que eu levava a minha filha para a praia, ela tinha uns 4 meses, pegava a areia e botava na boca. Era impossível controlar, tudo ela botava na boca. Isso porque ela reconhecia o mundo pela boca.
Depois começa a fase do deixar cair. Começa a jogar tudo no chão. Estão desenvolvendo nessa fase o domínio espacial. Nesse movimento desenvolvem a afirmação da individuação daquele ambiente, confirmam a capacidade de autonomia em relação às coisas.
Quando cresce mais um pouco chega na fase do “é meu” – “Eu não posso te dar esse objeto porque é meu”. A criança não distinguie quem é ela do objeto. A criança e o objeto são a mesma coisa. Aquele indivíduo e aquele objeto são a mesma coisa. Então o instinto metabolizou aquele objeto, realizou o seu escopo e isso é um grande prazer para aquela criança.
Então abaixo dos três anos, a criança vive plenamente todas essas relações com o objeto, com a novidade dos objetos, seja comer ou dormir, é tudo plenamente. Podemos ter algumas exceções mas na maioria dos casos essa relação se dá de maneira plena. E nisso, toda a intencionalidade da existência daquela criança está naquela relação. A totalidade da intenção está somente naquela coisa. A criança é muito fiel a esse sentido.
Depois dos três anos ela começa a se questionar sobre problemáticas mais existenciais, iniciam as perguntas profundas – “de onde eu vim? Para onde eu vou? Como é que eu nasci? Como é que eu posso morrer?” Também nesse caso se trata da manifestação do instinto de posse mas direcionado para essas questões mais existenciais.
O problema é que nesta fase, geralmente por uma questão cultural e de educação, a criança é frustrada na resposta dos pais. Claro que nem sempre isso se dá propositalmente, pode ser por uma questão cultural, social: “Foi a cegonha minha filha. Foi papai Noel. Foi o coelhinho da Páscoa”. Vejam bem, a criança sente, ela sabe que não existe realidade naquela resposta. A criança é muito inteligente e muito ligada ao mundo da vida. Ela sente tudo e é sempre muito fiel aos instintos dela, às percepções e quando ela se direciona a esse aspecto mais existencial ela é frustrada porque recebe uma mentira, uma falsidade como resposta.
Essa criança pode se deixar enganar, fingir que acredita para agradar os pais e eventualmente até ela mente para si mesma. Não obstante tenha sentido a falsidade da resposta da cegonha: “Mas foi a mamãe que falou, eu devo estar errada, a mamãe é tão boa comigo. Então não vou desconsiderar o que eu sinto e vou acreditar, vou confiar no que meus pais falam”.
Não vou me deter nesse tema mas para quem se interessa sobre a temática de relação entre pais e filhos, tem o livro do Professor Alécio Vidor, seu título é “A relação entre pais e filhos, a origem dos problemas”. É um livro muito fininho, tem 43 páginas e é uma delícia. O outro livro como indicação é o “Pedagogia Ontopsicológica”, de Meneghetti, um livro muito completo.
Inserção da Matriz Reflexa
Alguns gráficos para assimilarmos os conceitos das lives anteriores e visualizarmos.
Aqui tem a relação diádica com o adulto mãe e a criança representada como “Eu”. Lembrando que esse adulto poderia ser o pai, uma professora, a mãe adotiva, ou seja, aquele de máxima referência para a criança. No primeiro gráfico vocês verificam que o Eu da criança e o adulto-mãe, são a mesma coisa. A criança depende biologicamente, então a proximidade é muito alta, quase como se não houvesse uma distinção. Se estabelece um campo de relação entre os dois. De fato, mesmo depois do cordão umbilical ser cortado, permanece uma ligação de dependência inclusive biológica. Quando o bebê nasce ele não enxerga nada além da mãe. Só existe a mãe. Ela e a mãe são a mesma coisa.
Com o tempo esse Eu da criança vai se separando e distinguindo do adulto-mãe, é o que está representado no segundo gráfico. A criança começa a frequentar outros ambientes começa a ver que tem o pai, que o mundo é maior do que aquele adulto-mãe. Tem os amiguinhos, a família, a professora da escola, enfim, ela começa a ver que ela consegue viver sem aquele adulto-mãe e vai se distanciando. Vejam que no começo o gráfico está todo embaralhado aqui e depois ele começa a se ordenar e, apesar de ainda estarem polarizados, começam a se distanciar.
No terceiro gráfico temos o que deveria acontecer, mas algumas crianças que permanecem nesta segunda esfera até a vida adulta. Esse corte psicológico, um Eu com capacidade autônoma total de distinção, de unicidade seria o natural segundo uma ótica evolutiva.
Em seguida um segundo gráfico que ilustra como se dá a cisão entre sujeito e objeto, entre consciente e inconsciente.
Esse primeiro exemplo ilustra um bebê em busca da sua realização objetal. Não existe uma consciência bem constituída, um Eu constituído. O mais forte nesse bebê é o seu Em Si ôntico, isto é, o instinto puro, o núcleo, o critério, a origem, o espírito, o ponto de vida central daquele sujeito, sem o Em Si não existe o sujeito. Esse núcleo que é denominado Em Si ôntico deseja coisas, quer se realizar nessa existência. Existe, logo deve tornar-se, como a semente na terra quando seleciona determinados nutrientes para crescer. Da mesma o Em Si ôntico intensiona algumas coisas para se realizar, para que a sua identidade aflore. No exemplo ele deseja a melancia. Essa imagem de uma melancia, então o bebê pega a melancia e come. Existe uma espontaneidade. O Eu a Priori aqui é um conceito de Eu que reflete exatamente o que o Em Si ôntico impulsiona. Ele não é lógico consciente. Chama-se a Priori porque vem antes do Eu consciente. Então é praticamente a mesma coisa que o em si, só tem uma denominação diferente porque ele é o que permite a ação daquela determinada intencionalidade que o Em Si ôntico aponta, como um espelho. Então a criança não tem filtro nenhum e pega a melancia.
Nesse segundo o bebê ou a criança está na companhia de um adulto-mãe. Esse adulto tem um consciente e um inconsciente, possui nele mesmo uma esfera que ele conhece de si e uma esfera maior que ele não conhece de si mesmo. Esse adulto tem um núcleo, o Em si ôntico, tem o seu Eu a Priori, removido, na esfera inconsciente, então não enxerga mais de imediato esse Eu a Priori. Depois o adulto possui as zonas dos complexos e a grelha do monitor de deflexão. Teremos uma aula para cada um desses pontos, então não vamos nos deter neles. Em seguida vemos na esfera consciente o Eu Lógico-Histórico que é aquele lógico, que escolhe, que age, constrói a história.
Então o Em Si ôntico daquele adulto intenciona determinada coisa e quando ele intenciona, passa pela zona dos complexos e chega distorcido na consciência. Essa é a representação gráfica de um adulto comum nos dias de hoje.
Nessa relação a criança é muito livre, não possui todos aqueles complexos, monitor de deflexão e barreira de consciência. Vê uma coisa, quer, vai lá e faz. Não pensa no que vão pensar dela, se pode ou será que não pode. Ela vai lá e faz. Quando a criança, na sua espontaneidade vai pegar a melancia, esse adulto num momento de frustração olha para aquela criança. Nem sempre o adulto está frustrado, mas nesse momento, de inserção da matriz reflexa na criança, necessariamente está frustrado.
Vejam que é mais comum do que pensamos que esse adulto esteja frustrado, não é simples ficar noites sem dormir, cuidar da criança abrindo mão de suas coisas. Mas existem níveis de frustração que podem fazer muito mal ao próximo. De toda forma, aquele adulto, nesse momento está em frustração e olha para aquela criança fazendo uma ação vital de realização de um instinto. O adulto entra com um não, um “ai de ti”, mesmo que não verbalize nada, é um olhar que vale mais do que mil palavras.
Esse contato ocular e o campo semântico do adulto que está em frustração faz com que a criança se paralise e minta para si mesma. A criança pensa ” Não, mas eu nunca quis essa melancia. A mamãe tá certa. Melancia é ruim, melancia é feia”. Por mais que, para a existência dela, aquilo fosse bom, fosse um elemento positivo naquele momento ela aceita não comer a melancia.
Lembrando que o Em Si ôntico é um critério ético, porque ele advém do ôntico, do Ser. Os atributos do Ser em ontologia se estuda: bom, belo, uno, vencedor, e sempre é. Então é uma apositiva e ética que a criança está fazendo naquele momento. Quando a criança trai esse critério, ela diz não para si mesma, ela perde a bússola interna. Então a culpa aqui não necessariamente é do adulto, mas da criança que mente para si mesma e aceita aquela privação que o adulto impõe. Aceita porque tem uma ligação afetiva. A matriz acontece por meio de um adulto mãe justamente porque existe uma ligação afetiva. Como a criança depende afetivamente, ela se permite chantagear. De outra forma, não se permitiria.
Então o problema é que a partir daí o Em Si ôntico daquela criança vai intencionar que quer melancia mas a criança vai ver a melancia como morte, como perigo, aquela melancia está estragada e vai me fazer mal. Vai dizer não para o Em Si ôntico dela. Vai pensar: “Não posso. Se eu pegar a mamãe não me ama mais”.
O problema aqui é que essa criança mente para si mesma, “não, mas eu nunca quis a melancia”, nega para si o próprio instinto. Poderia ter maturidade psicológica para fazer a dupla moral: “vou dar uma risadinha para encantar a mamãe e tentar comer de toda forma”, “vou chorar até me darem a melancia”, “quando a mamãe não tiver olhando eu vou lá e pego” etc. O problema é que aquela criança naquele momento não se utiliza dessas ferramentas, não possui maturidade para isso. Ao negar para ela mesma aquele instinto é frustrado e a partir disso começa um ciclo sem fim. Então aquele Eu a Priori que vai ficando cada vez mais inconsciente, a criança começa um processo de negar cada vez mais seus instintos primários, o Eu originário dela e vai ficando perdido no inconsciente.
Vejam como é forte essa pulsão do Em Si. Olhem como é grande perto do monitor e dos complexos. Esclarecendo, nós temos um Eu Lógico Histórico, que está na nossa esfera consciente, aquilo que a gente acredita que é, a ponta do iceberg. O Eu lógico histórico é aquele que corresponde ao que a sociedade prevê, a família nos educa, os valores que nos ensinaram, nossa autoimagem. Depois temos o espelho da consciência, onde se dá a reflexão dentro de mim conforme cada coisa que eu impacto. Temos um segundo espelho que é o do Eu a Priori, que está no inconsciente. O Eu a priori reflete a pulsão do Em Si ôntico, não o identificamos de cara, para isso precisamos estar atentos às percepções do corpo-vivo. Então o Eu a priori se manifesta como uma sensação, intuição, um movimento rápido sem explicação, uma simples ação. Podemos identificar a pulsão do Em Si ôntico posteriormente também, num sonho por exemplo.
Quando a pulsão do Em Si ôntico passa pelo espelho da consciência e chega no Eu lógico histórico geralmente já chega desvirtuado. Desvirtuado pelo Monitor de Deflexão, então é impossível ter uma visão perfeita do Em Si ôntico, a única forma é se acessarmos aquele nosso Eu mais profundo que chamamos de Eu a Priori.
Somos adultos, donos dos nossos narizes, temos decisões importantes para tomar e todos nós temos a experiência da dúvida e também do medo diante das decisões: “será que eu faço, será que eu não faço, será que eu me movo, desisto, não desisto, será que eu tomo essa decisão, vou nessa direção?” Se tivéssemos esse contato transparente entre Em Si ôntico, Eu a Priori e a consciência ou o Eu Lógico Histórico, essa fenomenologia do medo e da dúvida não faria parte do nosso cotidiano. Isso porque o Em Si procede por projeção de identidade como vimos no exemplo da melancia: ele identifica aquilo que lhe é próprio no ambiente, o que é próximo, ou seja, a pulsão do Em Si ôntico identifica aquilo que lhe é idêntico e diz: “isso é meu”. Quando é de alguém é realmente, do ponto de vista ôntico é de fato seu, então basta executar aquela ação. Quando adultos, precisamos adequar as ações, a gente precisa organizar os meios para poder chegar àquele resultado, daquela decisão.
Então o simples fato da gente não ter certeza, tem dúvida, ou medo, receio de determinadas decisões, indica já essa cisão em cada um de nós”.
Geralmente quando tem uma ação muito vital a ser realizada, quando precisamos matar a sede, ao invés de tomar água, tomamos coca-cola. Não matamos aquela sede. Então sempre que você está fazendo uma coisa muito vital vem aquele pensamento: “Vai dar merda, vai dar ruim. Isso não é para mim. O que os outros vão pensar? Eu tenho vergonha. Eu sou assim, assado. Não sei falar em público”.
Outro exemplo é o do mar. Estamos nadando no mar, finalmente tiramos nossas férias e fomos nadar no mar, depois de um longo ano de trabalho. Quando dá um mergulho naquela água azul cristalina, vem o pensamento: “o tubarão vai vir”. Você fica com medo daquele tubarão. Não existe tubarão, é um impedimento de viver na sua plenitude aquele prazer. Então esse monitor de deflexão, que distorce as pulsões do Em Si, vem nos momentos mais importantes, mais vitais, onde o seu Eu faria um grande nascimento, se realizaria de uma forma grandiosa e justo ali, você frustra. Não é a toa que todos os grandes, dizem repetem, insistem, preste atenção nos seus sonhos, nas vísceras, siga a sua intuição porque ali você encontra a solução otimal que seria dada por esse Eu a Priori, que está no seu inconsciente. Esse é o ponto.
O Nascimento do Eu
Entendido bem esses conceitos, podemos adentrar então no Nascimento do Eu propriamente dito.
Revisando antes de tudo, o Eu a Priori, é definido no instante contínuo que age, a cada impacto no devir o homem é constituído de modo muito preciso e esse é o próprio a Priori de uma ação histórica. Meneghetti coloca o Eu a Priori de forma não fixa, mas que se renova em cada impacto no devir.
A relação entre Eu a Priori e Em Si ôntico é a seguinte, o Eu a Priori é a intuição do Em Si ôntico naquele indivíduo. Aponta o otimal daquele momento. A intuição nada mais é do que a formalização do Eu a Priori, então todos os conceitos se entrelaçam e andam juntos. Então o homem pode chegar ao Eu a Priori até a última totalidade de si mesmo, nesse caso ele vai chegar a uma iluminação. Enquanto não chegar na iluminação, cada ação acertada é o Nascimento do Eu. Ação acertada significa que é conforme o critério ôntico. Então o Em Si ôntico se revela, mas a formação, o Nascimento do Eu só se dá se existe aquela ação precisa que assimila determinado objeto. Então vejam que é necessário a ação.
A consciência ôntica é a percepção transcendente de si mesmo para além do fato da existência e da história. A visão ôntica é um saber total, clarividência. Quando chega nesse nível, o conhecimento coincide com a alma, não é mais fenômeno. Então o ser humano pode alcançar a visão ôntica, para isso a consciência ou o Eu Lógico Histórico tem que ser a atualidade consciente do Eu a Priori e do Em Si ôntico.
Esse fenômeno só acontece depois da insistência naquela evolução histórica do critério do Em Si ôntico. Daí nesse ponto o homem pode dizer de dentro de si mesmo: ‘Eu sei. Eu sou”. Então essa evolução é importante.
Como se dá, finalmente, o nascimento do Eu:
1) Vamos ter primeiro o movimento de exteriorização: existe um impacto com aquela realidade externa, existe uma adaptação orgânica, é um princípio de realidade externa que está lá em simbiose com aquele indivíduo. Então primeiro tem essa exteriorização, “é para mim, eu quero aquele objeto externo”
2) Em seguida, o movimento de interiorização: o Eu é atraído por zonas mais silenciosas, mais profundas, ou mais primitivas de si mesmo, ainda que ele ao fazer isso vai se distrair daquele objeto externo. Então, por exemplo, quando a criança pega a melancia e come, quando ela está comendo a melancia tem esse movimento de interiorização.
3) Por último, deve transcender continuamente a cada objetivação: não se fixa, “Nossa, como estava boa aquela melancia!”. Não, não existe essa fixação. Evolui, a melancia virou aquele indivíduo e é um movimento de superação e transcendência contínua do que foi realizado.
Por meio desse processo, que em Ontopsicologia se denomina autóctise histórica (a ação do Em Si ôntico na história) ocorre o Nascimento do Eu. Vejam que não se trata de um desenvolvimento que se possa obter por meio de longos anos de estudos e de reflexão. Não importa quantos anos você estude Ontopsicologia, ou você estude qualquer coisa, mas sim pela ação. Então, é necessária e indispensável essa autoconstrução na existência, a realização. Então além da intuição é preciso um processo contínuo de escuta, de ausculta, escutar a partir de dentro, escutar as vísceras, escutar os sonhos, escutar as reações corporais, escutar o campo semântico para que você possa se posicionar adequadamente em cada impacto sofrido: “é para mim ou não é para mim?” Com esse percurso bem feito que o Eu vai atingir a visão ôntica.
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