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Série 40 Lições – Aula 35

Aplicações da Ontopsicologia Ética e Direito

APLICAÇÕES DA ONTOPSICOLOGIA: ÉTICA E DIREITO

Adriana dos Reis
12.07.2021

Que honra estar aqui participando das “40 Lições de Ontopsicologia Elementar”. É muito especial pra mim, muito obrigada pela honra. Eu tenho acompanhando as Lives, o nível é muito alto, tenho crescido bastante com o trabalho dos colegas. Então, para mim, mais do que honra, é uma alegria, porque é muito bom, sobretudo, falar daquilo que gostamos. Hoje terei a oportunidade de falar de dois temas que eu gosto muito: Ontopsicologia e Direito. Tenho uma felicidade especial em falar desta aplicação da Ontopsicologia porque eu sou professora de Direito desde que eu voltei da Rússia e eu atuo exatamente nestas disciplinas. Sou professora de Introdução ao Estudo do Direito, Filosofia do Direito, História do Direito e outras. Um dos motivos que me levou a fazer graduações também em Filosofia e História foi a necessidade de ampliar e complementar meus conhecimentos no assunto. Então, para mim, são temas, conceitos, com os quais eu lido todos os dias, inclusive, na qualidade de orientadora de monografias e trabalhos finais de curso especificamente nessa área. São conceitos de extrema importância e também de bastante aplicação prática.

O tema que vamos tratar é “Ética e Direito: moral ôntica e moral sistêmica”. Vamos dividir a nossa exposição em três partes: 1) Direito Natural x Direito Positivo; 2) Apontamentos sobre a minha tese de doutorado em Direito na Rússia e 3) A contribuição da ciência ontopsicológica para o Direito.

Direito Natural x Direito Positivo

 Alguns conceitos permeiam toda a nossa vida dentro do Direito. Quando nós falamos em Direito, em Ciência Jurídica, principalmente, trabalhando os conceitos básicos, há duas abordagens de base para a compreensão do Direito: Direito Natural e Direito Positivo. Não há uma linha assim tão rígida entre elas, mas seria compreender o Direito a partir de perspectivas distintas. A história revela que essas visões do Direito, por vezes, dialogam, e por outras, se alternam. Em determinados momentos, há uma tendência maior a sermos positivistas. Porém, ao se constatar que o positivismo não consegue responder a uma infinidade de questões da vida social, jurídica, humana, parte-se para um retorno às raízes jusnaturalistas em busca de soluções às insuficiências e contradições do juspositivismo. Da mesma forma, após um período de predominância do enfoque no Direito Natural, percebe-se que esse também se revela inseguro, incerto, pouco estável e preciso e, assim, volta-se novamente a um período de positivismo. Sendo assim, nota-se esses ciclos dentro do Direito, essa alternância de tendências. 

Por exemplo, depois da Segunda Guerra Mundial, com a afirmação de um Direito Internacional comprometido com a defesa dos Direitos Humanos, sobretudo aos de segunda dimensão, a “igualdade”, os direitos sociais, passou-se a buscar mais o direito natural em detrimento da mera letra objetiva da lei. Inclusive, o movimento recente do Neoconstitucionalismo, cujo fundamento filosófico é o Pós-positivismo, espelha uma faceta deste fenômeno. Vale ressaltar que tanto dentro do Juspositivismo, quanto dentro do Jusnaturalismo, há vertentes diversas.

Dessa forma, falando de maneira mais simples, sobretudo para quem não é da área: quando falarmos em “Direito Natural”, associem à “justiça”. O Direito Natural se preocupa, foca e prioriza a questão do justo. O “Direito Positivo”, por sua vez, remete à “lei”. Ou seja, diante da pergunta “o que é o Direito?”, um positivista responderia “Direito é lei” e um naturalista responderia “Direito é fazer justiça”. Sendo assim, eu os convido a refletir por um instante: para você, o que é o Direito? Direito se aproxima mais da ideia de lei, do preto no branco, do que está posto, escrito, convencionado? Ou Direito, para você, seria a realização efetiva da justiça no caso concreto?

Antecipo que o direito brasileiro se considera majoritariamente positivista, uma vez que seguimos leis, regras, normas. Entretanto, existe também, como forma de complementar o positivismo, a presença do jusnaturalismo seja na prática jurídica, jurisprudencial que na hermenêutica, ou seja na forma, cada vez mais aberta e flexível, de se interpretar a lei. Esta discussão clássica entre direito natural e positivo é, ao meu ver, onde mais a Ontopsicologia é capaz de contribuir.

O Direito Natural, portanto, considerará o Direito como sendo a busca pela justiça. Ou seja, mais importante do que seguir uma lei à risca, seria efetivamente fazer a justiça. É possível que alguém, ingenuamente, se pergunte: ora, mas seguir a lei já não é a mesma coisa do que fazer justiça? Esse é um entendimento. Para alguns, lei e justiça são mesmo sinônimos. A lei seria sempre justa. Logo, ao segui-la, já se estaria realizando a justiça.

Vale ressaltar que os direitos naturais são aqueles direitos que já nascem com o homem. Ou seja, trata-se de uma abordagem do Direito que considera que há direitos que já são inatos. Antes mesmo de um recém-nascido ter um nome, uma nacionalidade, roupas, documentos, antes de se tornar um cidadão, aquela é uma criatura humana que já chega ao mundo com uma série de direitos que lhe foram conferidos pela própria vida e não ainda pelo ordenamento jurídico. Não fomos nós, pequenos homens, pequeno Direito, que demos o direito à vida para aquele bebê. A vida foi dada ao homem por algo muito maior do que nós e que gerou aquela criatura humana. Após instantes de nascida, sobre a criatura humana já se inicia uma série de registros, apêndices e carimbos: ela faz o teste do pezinho, ganha um nome, coloca uma roupa, certidão de nascimento, carteira de identidade etc. Entretanto, há que se observar atentamente esse momento primeiro, que é anterior a toda logística social: o exato instante em que um ser humano chega a este mundo. Quando nascemos, não é realmente necessário que ganhemos um papel para que tenhamos o direito à vida. Este papel, documento, pode até confirmar que temos este direito, mas o papel é apenas declaratório de uma realidade que já existe, não é ele que nos dá o direito de viver. Portanto, o fato é que há direitos que independem e são muito anteriores à sua formalização e reconhecimento pela lei dos homens. Nesta mesma linha, além do direito à vida, podemos citar dignidade, saúde e liberdade como exemplos de direitos naturais.

Érico Azevedo: Há um direito bem importante também, que é o direito à defesa. Eu já o coliguei aqui fazendo uma análise com os instintos básicos.

Exatamente, Érico. Nós já viemos com esse direito de defesa inato, e não porque a lei nos deu esse direito.

Então, todos esses direitos naturais são muito interessantes, e também muito retumbantes. Por mais que idolatremos o Direito Positivo, por ser um instrumento muito bem feito e de alta relevância, se colocarmos numa balança, de um lado, um direito instituído por nós, pequenos homens, pequenos juristas e, do outro lado, um direito posto pela natureza, por aquilo que nos criou, o que pesaria mais? O que tem mais força? Nós, exatamente por sermos ignorantes nessas dimensões do conhecimento da natureza e da ordem que nos criou, preferimos simplesmente encerrar o assunto dizendo que “não existe”, “é abstrato”, “não é científico” e nos agarrarmos às nossas leis sociais, ínfimas diante de um universo que continuará agindo, independente da nossa vontade e se o entendemos ou não. Parece-me mais vantajoso que nós, inclusive o Direito, nos preocupemos em conhecer melhor essas alturas do conhecimento também.

Grandes filósofos, tais como Tomás de Aquino, buscaram saber qual seria a “fonte” do Direito. Também nós da área jurídica estudamos, nas nossas matérias propedêuticas, as fontes do Direito. Isto é, quando advogados, juízes, promotores, defensores têm alguma questão para resolver, onde devem buscar o Direito? Para nós, positivistas, essa fonte é a lei: Constituição, códigos diversos, leis. Diante de uma controvérsia, a fonte primária a ser consultada em busca do Direito é a lei. Mas e quando a lei não é capaz de resolver tudo? Parte-se, então, para as fontes secundárias ou acessórias, como os princípios gerais do Direito (esses, na verdade, no momento atual, extremamente considerados e praticamente alçados à fonte primária também), a analogia, a jurisprudência, a doutrina, os costumes e outras.

Se o direito positivo encontramos na lei, onde buscaríamos o Direito Natural? Para responder, os filósofos mais profundos se alternavam em três hipóteses: a) Jusnaturalismo (o Direito Natural deve ser buscado na natureza, por meio da observação da natureza); b) Jusnaturalismo teológico (a fonte do Direito Natural deveria ser buscada em Deus, é Ele a sua fonte e c) Jusracionalismo (deve-se buscar a fonte do Direito Natural na nossa própria capacidade humana de pensar, na racionalidade). Então, para a Filosofia do Direito, essas seriam as três principais hipóteses de onde devemos buscar o Direito Natural.

Há, ainda, algumas características interessantes acerca desses chamados Direitos Naturais, inatos ao homem: são direitos eternos, imutáveis e universais. Por exemplo, o direito à vida sempre existiu, inclusive antes de nós e tudo indica que continuará existindo depois de nós. Considera-se que esse Direito Natural poderia sim nos dar uma ideia universal de justiça, que é uma grande e antiga ambição do Direito, mas também uma grande preocupação: chegar a um entendimento definitivo, estável, evidente do que é a justiça. 

Há que se observar que o Direito Natural também será muito importante para a figura do legislador, que é quem fará as leis que todos nós seremos obrigados a obedecer. Ou seja, ao fazer as leis, os legisladores deveriam levar em consideração, além dos fatos sociais, a natureza humana. Os filósofos do direito que escreveram sobre direito natural foram pessoas que não conheceram o pensamento de Antonio Meneghetti. E praticamente todos chegam próximos a essa conclusão: de fato, é preciso levar em consideração a natureza humana. Só que eles param exatamente nesse ponto. São esses mesmos filósofos do Direito que admitem que, se o direito positivo for tão divorciado assim da natureza humana, não deveria ser obedecido não. Os mais ousados chegam até mesmo a questionar a validade das leis injustas. Devemos cumprir leis que sejam injustas? Por que deveríamos cumprir aquilo que contraria a natureza humana, que a fere, que a lesiona? São reflexões importantes a serem feitas.

Portanto, existiriam alguns direitos pertencentes ao homem por sua própria condição de natureza e que deveriam ser levados em conta pelo legislador no momento de se fazer o direito positivo. A filosofia do Direito usa frequentemente a expressão “o Direito Natural deve iluminar o Direito Positivo”, dar-lhe fundamentação, essência, sentido. Além disso, o Direito Natural vai tutelar o que todos buscamos: felicidade, saúde, realização. E nada disso é abstração. A lei é feita para o homem, e não o homem é feito para a lei. Mais de uma vez, ouvimos falar de projetos de lei intitulados “Direito à felicidade” como exemplo dos fins buscados pelo homem levados em consideração pela lei.

Pois bem, o Direito, em especial, o Direito Natural, conclui que é sim necessário levar em conta a natureza humana para, inclusive, fazer as leis positivas, formais, escritas. Afinal, esse sim seria um critério seguro, racional, perene, e não mutável no tempo e espaço como nossas opiniões, culturas e convenções. A natureza humana não depende de opiniões, é posta por algo muito anterior e superior à cultura. Chega-se, portanto, a um impasse: quem saberá dizer o que é a natureza humana, quem a conhece de fato? É um tema muito importante, verdadeiramente científico, e que foge de certa forma à área jurídica, não é nosso objeto de estudo direto, ainda que devamos conhecê-lo para erguer todo o nosso edifício de leis nas suas bases. Esse é um dos motivos pelos quais caminhamos pelas vias da interdisciplinaridade. 

Não é o Direito que tem condições de responder o que é a natureza humana. São outras ciências que irão nos responder o que é a natureza humana. De fato, a ciência jurídica precisa realmente desse conceito, pois se encontra parada exatamente neste ponto. Leciono esses temas há muitos anos na faculdade de Direito e percebo que há excelentes pensadores, teorias, porém, até os mais brilhantes estudiosos param aí, neste ponto: há que se tomar a natureza humana como critério para delinear as leis e o Direito, mas não sabemos como ela realmente seja, quais as suas características universais, sua lógica intrínseca, seu funcionamento, o que a favorece, o que a destrói. 

A única garantia para que consigamos sair deste relativismo de opiniões típico das ciências sociais e humanas, onde verdade é a mera opinião convencionada por um grupo, sem reversibilidade objetiva na natureza, seria que o critério epistêmico das ciências jurídicas tivesse o seu fulcro na própria natureza humana. É necessário, portanto, que também nós da área jurídica tenhamos esse conhecimento.

Passemos, agora, a refletir um pouco sobre o Direito Positivo, aquele adotado por nós por parecer o mais seguro, mais confiável, afinal, é o que convencionamos, acordamos, formalizamos no papel e lhe demos o enorme poder de coercibilidade sobre as nossas próprias e vidas e liberdades. É um direito mais fácil de se identificar, afinal de contas, para se saber o certo ou errado, bastaria verificar se a pessoa cumpriu ou descumpriu um preceito, uma regra, uma lei. 

Ao contrário do Direito Natural, que é aquele direito que nasce com a gente (que venha de Deus, da natureza ou da razão), o Direito Positivo é aquele que nós fizemos, é o que conhecemos, são os nossos códigos, Constituições, enfim, são as regras que nós criamos. Direito Positivo (malgrado o pós-positivismo) é o adotado hoje, até por uma questão de comodidade.

O Érico tem, inclusive, aulas importantes sobre o Positivismo. Vejam que é um pensamento que perpassa por várias ciências, não apenas o Direito. Particularmente, eu tive contato com o positivismo em todas as graduações que fiz até hoje. Durante as aulas realizadas pela Oriont na série “40 Lições de Ontopsicologia elementar” excelentes aulas comentaram também sobre o positivismo em outras disciplinas, abordando os pontos positivos e negativos de sua influência. De um lado, o positivismo trouxe uma tentativa de organizar melhor o conhecimento científico, mas por outro lado, trouxe também um limite para a ciência. E para o Direito não foi diferente. O positivismo auxilia o Direito a lutar para ter um status científico, estruturas montadas para que o Direito possa ser considerado uma ciência. O positivismo vai impulsionar o Direito no seu processo de se tornar ciência jurídica. Daí o porquê de falarmos de juspositivismo e estabelecermos a lei como fonte primária do Direito. 

Afinal, Direito passa ser entendido como fato, valor e norma, segundo a Teoria Tridimensional do Direito, de Miguel Reale. Por exemplo: João matou Maria (é um fato). Existe norma que incide sobre este fato? Sim, o artigo 121 do Código Penal. É a descrição de um crime, de um tipo penal. Há um valor a ser protegido? Sim, a vida. Para Reale, então, atendidos esses três requisitos, teríamos uma cientificidade do Direito. Reale vai além e afirma que cada elemento deverá ser estudado por uma ciência específica: o fato deverá ser estudado pelas Sociologia do Direito, o valor será estudado pela Filosofia do Direito e a norma deverá ser estudada na Ciência do Direito. O Direito, à luz do positivismo, então, torna-se, assim, mais fácil de ser mensurável, ganha mais ares de ciência. Vários autores brilhantes buscaram trabalhar uma estrutura científica do Direito, com destaque a Miguel Reale e Hans Kelsen. 

O fato é que os conceitos em Direito são de grande importância e têm sua força na aplicação prática quotidiana. Por exemplo, um primeiro conceito que gostaria de tratar é o de Direito. Há vários conceitos de “Direito”, mas quase todos concordam com a mesma estrutura, ou seja, é “conforme a”. Mas é conforme ao quê? A filosofia do direito responde: ao reto, ao justo. Mas o que seria esse reto, esse justo? Qual é o critério desse comportamento justo? Com base em que estamos estabelecendo esse comportamento justo? Já percebemos aí uma questão conceitual no Direito que vai influenciar, sim, a prática.

Um segundo conceito de grande relevância no Direito é o de “Justiça”. O que é a justiça? Percebe-se um visível desconforto por parte de um operador do Direito ao ser questionado sobre o que é justiça. Entra-se imediatamente na fragilidade das opiniões, dos relativismos. Cada um tem um entendimento pessoal do que seja justiça, e uma ciência como o Direito que pode, inclusive, nos tolher a liberdade não poderia, de forma alguma, estar apoiada em meras opiniões. Se todo o Direito se justifica pela organização social, mas também pela realização da justiça, como é possível que não tenha um critério firme, seguro, de justiça? Como definir justiça sem cair num mar de relativismos? Uma das propostas seria, diante de uma situação fática, ao se ter que estabelecer o que é justo, identificar os seguintes elementos: igualdade, proporcionalidade, mérito, capacidade e necessidade. Este seria uma alternativa de metro para se chegar ao justo. 

Outra forma de evidenciar a relatividade do entendimento de justiça são as ações afirmativas, as chamadas cotas, que para alguns é uma forma de realizar a justiça material e, para outros, um mecanismo que provoca ainda mais injustiças e relativismos. O fato é que as concepções do que seja justiça não são exatas, vão variar bruscamente.

Há, ainda um terceiro conceito sobre o qual vale a pena refletir para demonstrar a ausência de critério seguro no Direito para conseguir definir suas próprias bases epistemológicas e axiológicas. Trata-se do conceito de “Ética”. Há uma proximidade entre os conceitos de ética e um quarto conceito, ainda, sobre o qual abordaremos, a “Moral”. Entretanto, ética é mais geral, moral é mais aplicada, específica. A ética é uma reflexão sobre a moral, é especulativa. A moral, por sua vez, é normativa, estabelece o certo e o errado. A ética é mais ampla, filosófica, tem uma dimensão universal, trata de princípios. Já a moral se refere aos nossos hábitos, costumes, vida cotidiana, a nossa dimensão particular, trata de condutas. Isso tem tudo a ver com o Direito que, de certa forma, vai regular a nossa moral, nosso modo de agir, e que será o de acordo com a lei. 

Concluímos que somos positivistas, porém o positivismo (e muito menos o pós-positivismo) responde à maioria dos nossos anseios, pois nos falta um critério de natureza com autoridade verdadeiramente científica para tomarmos como metro do reto, do justo, do ético, do moral. Portanto, este recôndito ‘desprezo’ que se percebe algumas vezes por parte de pomposos acadêmicos em relação ao Direito Natural nada mais é, ao nosso ver, do que uma flagrante confissão de sua própria ignorância e limite intelectivo acerca de algo tão retumbante: os direitos eternos postos pela natureza, pela vida em si, são muito maiores do que os direitos criados por nós, pequenos e transitórios homens.

Apontamentos sobre a minha tese de doutorado em Direito na Rússia 

Gostaria de comentar, brevemente, sobre algumas reflexões e resultados que obtive durante a realização dos meus estudos de Doutorado na Rússia. A ideia base da minha tese partiu do seguinte questionamento: como vamos estruturar o Direito como ciência se não sabemos ao certo nem mesmo o que é a justiça? Ou seja, será mesmo que justiça é algo tão relativo? Foi muito interessante apresentar essa proposta na minha universidade russa, porque em nada do que você propõe a ser estudado seriamente, os russos te cercearão. Pelo contrário. O que me fez admirá-los ainda mais foi ter ouvido, por diversas vezes, dos acadêmicos russos, o seguinte: “não é porque não conhecemos um fenômeno que ele não existe. Vamos estudá-lo.” Essa postura de ‘humildade’ científica é exatamente do que, ao meu ver, o meio acadêmico brasileiro, infelizmente arrogante muitas vezes, tanto necessita. Ou seja, retomar a sabedoria socrática do “só sei que nada sei” e, assim, não limitar ao seu bel prazer e convicção pessoal quais temas seriam considerados ‘científicos’ o suficiente para serem investigados.

Érico Azevedo: O Konstantin Korotkov, que participou com a gente de duas Lives, fala o seguinte: os cientistas russos, os pensadores russos, os intelectuais russos, dizem “a gente não tem medo de nenhuma ideia nova, mas vamos ver se ela aguenta ficar em pé. Você e coloca na mesa, todo mundo bate. Se ela não aguentar, ela sai da mesa e entra uma ideia melhor. Mas se ela aguentar, ela fica. É uma lógica bem interessante porque não tem nenhum prejuízo anterior. Ou seja, vamos ver se ela é boa.

Sim, os russos são muito exigentes cientificamente, mas eles te dão liberdade. Em geral, não julgam a priori o tema de pesquisa que você deseja conduzir, não têm ideologias preferidas, pensadores de estimação, arrogância intelectual.

Durante os primeiros anos do meu doutorado, me dediquei a pesquisar todos os conceitos de justiça que já se tentou fazer na história do pensamento humano. Portanto, iniciei minha pesquisa colocando o conceito de “justiça” no foco de análise. Se o Direito como ciência se funda ou busca a justiça, deve minimamente saber o que ela seja. Ao contrário do que, superficialmente, poder-se-ia supor, não é um conceito garantido, que todos já sabem. Na verdade, cada um tem o seu. E nisso incluo também intelectuais, doutrinadores e juristas. Denuncio, então, que este é um problema no Direito citando Husserl que afirmava que o progresso de uma ciência era medido pela simples verificação: esta ciência está conseguindo atingir os fins a que se propôs?

Ora, toda ciência há de ter um critério. Qual seria, então, o critério do Direito? Parece que os estudiosos das ciências exatas têm mais facilidade de identificar o critério das suas respectivas ciências do que nós, das ciências sociais e humanas. A exemplo disso, vale lembrar que, na Idade Moderna, estavam todas as disciplinas e saberes buscando se elevar ao patamar de “ciência” e o Direito lutou bastante para conseguir esse reconhecimento de ser chamado de “ciências jurídicas”, o que só veio pelas mãos e autoridade do positivismo, com especial menção a Hans Kelsen e a sua clássica obra “Teoria Pura do Direito”. Entretanto, o fato é que, se o Direito busca a justiça e toma por critério objetivo a lei, há que se verificar se isso, de fato, tem funcionado ou não. Como disse Husserl, há, de fato, uma crise nas ciências e é pertinente que o Direito também reflita sobre ela para que evolua em benefício de todos. Há uma crise nos fundamentos do Direito e nos seus postulados iniciais.

Se a justiça é o critério do Direito para tantos pensadores que a colocam acima da lei, será que não existiria um princípio universal de justiça, ou um critério evidente para realizá-la? Um metro seguro, uma concepção racional, um critério para afirmarmos, de fato, a cientificidade do Direito? Aquilo que nós dizemos que é justo, é justo porque é justo mesmo, ou é justo porque é imposto? Até o momento, o direito positivo, quando indagado acerca de qual seria o seu critério de justiça, responde prontamente que é a lei. Afinal, a finalidade intrínseca de uma lei seria ser e fazer justiça. 

Nos anos seguintes da pesquisa de doutorado, após evidenciada uma crise epistemológica no Direito, analisei as causas dessa imprecisão que reside justamente no fato de o Direito estar fundado em critérios convencionados (um grupo se reúne em determinado momento histórico e entra num acordo sobre quais serão os critérios e valores da vez) e não está fundado em um critério de natureza (evidente, eterno). Além disso, existe, ainda, uma passagem na aplicação do Direito que é realizada por uma pessoa que pode, consciente ou inconscientemente distorcer ou deturpar o critério. No momento em que o juiz interpreta e aplica a lei diante de um caso concreto, estaria ele imune às influências do seu inconsciente, dos estereótipos que carrega, sendo o juiz um ser humano como qualquer outro?

Essa é uma questão que a Ontopsicologia já trata com bastante autoridade e a sua aplicação ao Direito em muito contribuiria para um maior desenvolvimento das ciências jurídicas. O Direito afirma que o juiz deve ser imparcial e isso é dado como sendo verdade pouco questionada, haja vista a resistência em sequer se conceber a possibilidade de que, em algum momento na leitura e aplicação da lei, algo pessoal dele possa influenciá-lo na passagem de aplicação técnica da lei, da racionalidade jurídica.

Apesar de representar um certo tabu no Direito, o fato é que o julgador, como qualquer ser humano, tem os seus valores, tem as suas experiências emocionais, haverá um processo em sua própria cognição ao aplicar a lei ou buscar o justo e é plausível admitirmos que há, de fato, uma interferência pessoal, consciente ou não, na realização do Direito que passa, assim, a ser estar à mercê, em parte, da subjetividade do seu aplicador.

Esta reflexão se torna ainda mais relevante após o advento do Neoconstitucionalismo que trouxe uma reaproximação maior entre Direito e Moral, alegando colocar no centro a pessoa humana e abrindo espaço para importantes debates filosóficos sobre quais valores e princípios o Direito deve adotar para que esteja, de fato, construindo um edifício jurídico em favor do humano tal como posto pela natureza (e não baseado na ideologia ou opiniões da vez).

Sendo assim, durante a realização da minha pesquisa de doutoramento, foram feitos alguns questionamentos a juízes de dois países, Brasil e Rússia, sobre esses pontos. À pergunta sobre qual seria o critério do Direito como ciência, cerca de 70% respondeu que seria a lei, demonstrando uma esperada postura positivista. Por sua vez, há momentos em que aplicar estritamente a letra da lei acarretaria evidente injustiça prática, então, ao serem indagados sobre o que escolheriam se estivessem, flagrantemente, numa situação em ter que optar entre ‘lei’ e ‘justiça’, 75% afirmou que escolheria a lei, ainda que lhe soasse injusta sua consequência em dado caso concreto. Ou seja, dura lex sed lex. Por fim, ao serem questionados sobre a possibilidade de sua subjetividade, consciente ou inconsciente, influenciar a sua aplicação técnica do Direito, o momento da tomada de decisão, 85% dos juízes afirmaram que a própria subjetividade não influencia sua interpretação da lei. Ainda, a pesquisa apontou que os temas mais sensíveis à uma interferência subjetiva do aplicador do Direito, no Brasil, seriam as situações que envolvem família e, na Rússia, seriam as que lidam com propriedade.

Érico Azevedo: Faz sentido. Eles viveram 70 anos sem direito à propriedade privada, então, as situações que envolvam propriedade são, de fato, bem confusas.

Um último questionamento feito aos entrevistados foi sobre qual seria a concepção mais próxima para que o Direito conseguisse, de fato, alcançar a justiça em sua prática: jusnaturalismo (colocando a justiça como centro) ou juspositivismo (colocando a lei como o centro). Em ambos os países, a resposta foi um juspositivismo convicto.

A contribuição da ciência ontopsicológica para o Direito

Como analisado, as reflexões da Filosofia do Direito até o momento, especificamente na questão do Direito Natural x Direito Positivo, percebe-se que, apesar de termos escolhido o positivismo por lhe considerar um critério mais objetivo (haja vista estar fundado na lei), as suas limitações e resultados insatisfatórios (uma vez que existe uma substancial percepção social de que a justiça muitas vezes não é realizada mesmo seguindo as leis) levam a um retorno às propostas do Direito Natural, oriundo da própria vida e, portanto, muito mais retumbante e objetivo do que nosso pequeno Direito suscetível a toda sorte de opiniões, ideologias e subjetivismos.

Aliás, o recente movimento do Pós-positivismo parece ser uma dessas tentativas de retomar o Direito Natural em certa medida, mas que, ao nosso ver, na verdade, sob a alegação de elevar o ser humano e a sua dignidade ao centro do Direito, nada mais fazem do que impor um próprio e particular entendimento do que seja bom para o ser humano, distorcendo princípios e valores conforme uma ideologia particular, claramente a progressista, ou chamada de esquerda. Atualmente, inclusive, tornou-se bastante comum, também no Direito, a chamada “corrupção da linguagem” que significa se utilizar de termos belos e elevados como “democracia”, “amor”, “inclusão”, “dignidade” para se fazer na prática exatamente o contrário, no mais nítido entendimento orwelliano.

Ou seja, do binômio insuficiência do positivismo e retomada do naturalismo surgiu, ao nosso ver, a aberração do atual pós-positivismo que, ao invés de efetivamente buscar erigir um Direito nas bases da verdadeira natureza humana, utiliza-se, com despreparo e até cinismo, deste conceito como escusa para implantar uma lamentável juristocracia, por exemplo, na qual, por meio do Poder Judiciário, se retira arbitrariamente dos homens exatamente os direitos naturais eles que dizem defender. Essa distopia jurídica em curso certamente deverá ser enfrentada num futuro bastante próximo pelas mentes e operadores mais responsáveis e corajosos do Direito.

Retomando, então, de onde pararam os filósofos do Direito: sim, é preciso levar em consideração a natureza humana no Direito, mas como é essa natureza humana? Provavelmente, nós do Direito não temos os instrumentos para definir isso, não é nosso campo de estudo direto. Eis que se evidencia a necessidade e as vantagens da interdisciplinaridade. Há que se ter contato com o conhecimento verdadeiramente de valor obtido por outras ciências e pensadores. Há que se levar em conta, sobretudo, que muitas vezes, as grandes descobertas e avanços da ciência e do saber sobre o humano não são aquelas disponíveis nos currículos oficiais das universidades, sabidamente em atraso em relação à dinâmica real do conhecimento produzido pelo mundo e comprometida, possivelmente, em agradar determinados interesses políticos, econômicos e preferências por certos autores, ideologias e visões. O preconceito que existe no mundo acadêmico em relação a autores e estudiosos que estejam fora dos “preferidos” e “eleitos” pelo sistema causa um imensurável prejuízo ao avanço da ciência no Brasil.

Neste contexto, a ciência ontopsicológica, fundada e desenvolvida pelo acadêmico italiano Antonio Meneghetti, há mais de cinquenta anos, apresenta estudos e descobertas que acrescentam em muito acerca do entendimento de como venha, de fato, a ser esta natureza humana sobre a qual o Direito almeja se basear na sua construção e aplicação técnica. No livro O critério ético do humano, o autor fala especificamente dos operadores de Direito, por exemplo. Analisa-se que magistrados podem sim sofrer medo da castração popular, além de ceder aos próprios estereótipos ao interpretar e aplicar o Direito, ou seja, há fatores que podem comprometer a sua racionalidade jurídica.

O critério do Direito, como vimos, não é natural. É convencionado. Seja tomando por base a lei, seja a justiça, os nossos critérios são frutos de acordos, convenções, mais objetivamente, de opiniões. Não tem sua base firme na natureza. O que construímos foi uma moral do sistema, uma moral sistêmica cuja vigência se restringe a uma determinada época e lugar. Além disso, quem faz as leis não são necessariamente os melhores e mais sábios, são apenas quem tem o poder, conferido ou não pelo povo.

Como, então, definir bem e mal no Direito? Atualmente, certo é o que está lei e errado é o que vai contra ela. Entretanto, Meneghetti propõe que o critério racional para definir bem e mal deve ser a estrutura psicobiológica do homem conforme já projetado pela própria natureza. E a natureza não tem opiniões, tem projetos. Ou seja, é bom aquilo que aumenta ou favorece o meu ser. É mal aquilo que lesiona ou diminui o meu ser. Observe que esse seria um denominador comum entre todas as culturas, entre todos os povos, pois o ser humano que vive no Brasil, sob seu aspecto de criatura, é exatamente o mesmo que vive do outro lado do mundo. Ambos obedecem à mesma ordem de natureza que os criou. No cenário atual, percebe-se que as relações jurídicas tem se tornado cada vez mais internacionais, extrapolando as fronteiras, o Direito está menos local. Isso nos coloca diante do desafio de lidar com diferentes culturas e harmonizar nossos sistemas jurídicos com os dos estrangeiros. Sendo assim, maior ainda se torna a dificuldade de aventar um entendimento sobre ser humano e até mesmo se incorre no risco de tentar colonizar outro povo a aceitar uma visão imposta. Portanto, o conhecimento acerca do homem é fundamental para o Direito se balizar tecnicamente na construção e aplicação de regras que verdadeiramente sejam humanistas.

Logo, como não é tarefa do Direito investigar a natureza humana, mas é sim conhecê-la e ser-lhe harmônica, mister se faz integrar à formação dos seus aplicadores e à sua base científica conhecimentos como os trazidos pela ciência ontopsicológica que descobriu, isolou, descreveu, entendeu e aplicou em várias áreas do saber o critério ôntico humano, tal como feito pela ordem que o criou.

Infelizmente, o Direito ainda desconhece instrumentos deste nível de racionalidade científica, uma vez que se dedica majoritariamente à dogmática jurídica e restringe os conteúdos ensinados nas faculdades àqueles preferidos por professores e ministérios da vez, deixando de fora uma infinidade de conhecimentos de vanguarda que em muito fariam evoluir o Direito como ciência.

O homem é uma inteligência formal que age. Antes de ser italiano, brasileiro, russo, o referencial deve ser como o homem é constituído por natureza, não apenas pela cultura. O fato é, que não há como o Direito conquistar verdadeiramente o status de ciência se desconhece as três descobertas elementares que foram feitas acerca do homem nas últimas décadas em centenas de eventos científicos ao redor do mundo e resultados desconcertantes apresentados nas pesquisas da Ontopsicologia. Do contrário, estará legislando e aplicando leis baseadas em opiniões e acordos, muitas vezes em violência direta à natureza humana e destruindo direitos naturais que acredita proteger. Sobretudo uma dessas descobertas deveria ser seriamente considerada pelo Direito: o Em Si ôntico.

Pessoalmente, além de ter obtido uma formação completa dentro do que é o sistema educacional e acadêmico oficial, com uma dezena de graduações, especialização, mestrado e doutorado, conhecendo de perto universidade pública, privada, nacional e estrangeira, posso afirmar que o conhecimento mais elevado que obtive não foi em nenhuma instituição de ensino formal, foi fora dele. Descobri que a verdadeira ciência, infelizmente, não é nem feita e nem ensinada na maior parte das universidades, frequentemente enclausuradas em seus preconceitos e limites, muitas delas instrumentalizando o sistema educacional formal para militância política ou para ganhar dinheiro formando o maior número de graduados possível num teatro velado no qual o aluno finge que aprende e as instituições fingem que ensinam.

Aqueles que desejam, de fato, ter acesso ao conhecimento científico em curso, atual, que está sendo produzido em tempo real, devem buscar ir além do que é ensinado nas universidades. Devem identificar eventos, congressos, estudos, aulas, pesquisadores preferencialmente não patrocinados ou dependentes de bolsas, estudiosos que não precisam do dinheiro de instituição alguma, pois frequentemente são os mais livres para pesquisar e revelar os resultados obtidos de seus estudos sem a necessidade de agradar a opinião de quem lhes banca economicamente.

Durante algumas décadas, tive a oportunidade assistir e participar de eventos científicos em vários países, lembrando que fiz metrado e doutorado também no exterior às minhas custas, sem bolsa de estudo, e foi muito interessante conhecer o trabalho de colegas da área jurídica de tantos países que aplicaram, por exemplo, os conhecimentos acerca da natureza, trazidos pela Ontopsicologia ao Direito. 

Saber que existe um critério de natureza no homem tem, de fato, uma retumbância para qualquer ciência séria, inclusive, para o Direito. Naturalmente, não se pretende cancelar a doxa jurídica, ou substituir direito positivo por direito natural. Não. O que se recomenda é inserir conhecimentos dessa natureza ali na parte de fundamentos do Direito, na Filosofia jurídica que parou naquele ponto que afirma ser necessário proteger os direitos naturais, a dignidade humana, os direitos humanos, mas não sabe ela mesma o que é “humano”. A partir daí, entraria a contribuição da ciência ontopsicológica fornecendo o conhecimento de como é feito o humano segundo a natureza e não segundo opiniões e culturas. Essa contribuição faria com que o Direito saísse do impasse em que se encontra e evoluísse, tendo por base para as suas leis positivas um referencial do que é bom e do que é mau para um ser humano, conheceria a própria ética da vida e buscaria harmonizá-la ao tipo de lei que cria, à forma como decide uma lide. Portanto, não um conhecimento que substitui o atual, mas sim que o amplia, o fundamenta em critérios mais firmes, o alinha com a natureza humana e não como opinamos que ela seja.

Em conclusão, bem e mal não existem em si, mas existe um critério ínsito em nossa natureza do que é bem e mal para o homem. A ética do homem deve ser retirada de sua natureza. Para isso, também os operadores devem ter esse conhecimento que em muito beneficiaria nossa formação jurídica. O homem é feito de determinado modo pela natureza. Há coisas que o matam e outras coisas que o preservam. Peguemos o exemplo de um veneno. Se o homem tomar um veneno letal, morrerá. Isso não depende da minha opinião, ou se acho justo ou não. Outro exemplo: se o homem saltar de um prédio de trinta andares, morrerá. Ele não voará, ainda que se reconheça como pássaro, ainda que acredite ter asas. Somos constituídos de acordo com determinadas leis de natureza. Um último exemplo: nós respiramos. Mas respirar é uma escolha nossa? Temos livre arbítrio para escolher respirar ou não? Bom, se quisermos continuar aqui neste planeta, criaturas como nós devem respirar, concordando ou não. Somo criaturas. Fomos criados por algo. Não temos discricionariedade sobre isso. Esses exemplos simples são para mostrar que nossa opinião não importa para a natureza. É inteligente e recomendável que compreendamos como funciona essa nossa natureza e que ela não se preocupa minimamente com as nossas pomposas opiniões de acadêmicos. Não é verdade que temos liberdade sobre tudo. Nós já viemos com algumas coisas definidas. Somos um projeto da vida e uma parte deste projeto é inflexível, somos constituídos psicobiologicamente já de uma certa forma, regidos por leis que conhecemos pouquíssimo. Portanto, pesquisas que avancem nessa área, como é o caso da ciência ontopsicológica, devem ser conhecidas, aproveitadas, valorizadas.

Dessa forma, as leis que criarmos no direito positivo, as normas a que serão todos obrigados pela força coercitiva do Direito serão aliadas do crescimento, preservação e evolução do homem, dar-lhes-ão liberdade para ser e não serão um instrumento castrador e aniquilador da sua própria natureza, do seu potencial, da sua dignidade intrínseca, muitas vezes falsamente defendida por um Estado que a desconhece e a manipula. Portanto, há que se trazer esses conhecimentos interdisciplinares também para as ciências sociais.

Vale concluir relembrando a frase “O homem é a medida de todas as coisas” e percebendo quantos segredos haviam por trás dessas simples palavras. Ali está a resposta de onde devemos tirar o critério das nossas ciências. Não é das nossas opiniões, das nossas religiões, das nossas políticas, das nossas culturas: é de dentro do homem. Este critério de natureza deve ser considerado também no momento legislativo, de fazer as leis positivas, no momento de fundamentar a epistemologia do Direito e, inclusive, no momento de interpretá-lo e aplicá-lo. 

De fato, o Direito pensa, primeiro, no coletivo. É feito, sobretudo, para o social. Mas não podemos esquecer que esse coletivo é formado de indivíduos. Coletivo, na verdade, é uma abstração. Concreto, real mesmo, é o indivíduo. Logo, é lógico que o Direito deva olhar para o indivíduo, compreender-lhe o funcionamento para se construir em seu benefício, não como sua mortalha. Do ponto de vista de sua constituição de natureza, trazendo já como critério mais prático, o Direito há que consentir ao homem, sobretudo: iniciativa, responsabilidade e criatividade. Esses elementos consentem um aumento do seu ser, por exemplo.

Cabe a nós, professores, pesquisadores, operadores do Direito, buscar agregar conhecimentos que possam fazer a ciência jurídica evoluir e um campo propício para aportar essa contribuição da ótica ontopsicológica seria na Filosofia do Direito, exatamente onde pararam os nossos estudos sobre o Direito Natural.

Nós, seres humanos, somos criaturas colocadas aqui por algo muito maior do que o Direito. Quanto mais nós conseguirmos entender sobre isso, mais vamos conseguir avançar nas várias áreas científicas e construir uma sociedade em favor do ser humano e seus direitos naturais e positivos. Essa ciência ontopsicológica que descobriu tanto sobre a natureza humana não nasceu para ser de uma ciência apenas. Inclusive, não é psicologia, como poderia erroneamente associar o termo. Ao Direito, fica a sugestão de integrar aos seus conhecimentos este que seria um princípio autopoiético ôntico-humanístico. “Autopoiético” porque é um princípio que se põe, não é posto por nós. Ou seja, saímos do mar de opiniões e relativismos no qual se encontram nossas ciências. “Ôntico” porque é como a natureza escreve, não é o imposto pela maioria. “Humanístico” porque é intrínseco a qualquer ser humano, esteja em qualquer país ou cultura.

Por fim, conhecimentos deste nível requer aplicadores, legisladores, julgadores e líderes nas várias áreas do Direito que realizem o que se chama de metanoia, que significa mudar a mente para como se é. Então, não mudar por mudar, ou mudar substituindo uma ideologia por outra, uma ideia por outra, mas sim por como se é por natureza, pois só quem é íntimo ao ser pode saber o ser.

Espero que vocês tenham gostado, espero que tenha sido útil pra vocês a nossa reflexão. Foi um prazer, foi uma alegria compartilhar temas pelos quais sou tão apaixonada e espero que tenha agregado à reflexão individual de vocês. Agradeço demais, novamente, ao Érico, à Nathalia, a Oriont pela oportunidade, pela honra de ter participado deste projeto tão bonito e importante. Obrigada.

Érico Azevedo: Obrigado a você, Adriana, por compartilhar tanto conhecimento. Sei que tem muitos advogados aqui, então, vou ter que estabelecer um critério justo para as perguntas, ordem alfabética. Vamos começar pelo Dr. André. O senhor teria alguma observação ou contribuição?

Dr. André: Primeiro, eu gostaria de parabenizar a Dra. Adriana pela exposição. Fui fazendo algumas anotações a respeito do assunto. De fato, é interessante porque, para o operador do Direito, para cada área na qual a gente atua, lendo aquele livro “O critério Ético do humano”, eu também li este livro há muitos anos, a percepção e o que chama a atenção é que para cada um é diferente. Até quando ela faz a comparação com a percepção do Direito no Brasil versus da Rússia, a percepção do humano é diferente. No Direito também tem uma percepção diferente. No meu caso, eu atuo mais na área de direito coorporativo, na área tributária, na área societária, contratos. E aí a visão do empresário, do líder, é diferente da percepção do cidadão comum. O que me chamou a atenção quando eu li o livro foi sobre o artigo 5º da Constituição que fala que “todos são iguais perante a lei”. O Professor comenta sobre isso. A lei cria uma certa igualdade de tratamento para todos os cidadãos. Então, para que você possa exercer o seu potencial, o seu Em Si ôntico, você precisa transcender a lei. E para transcender a lei, você precisa estar respaldado por um operador ou advogado ou consultor que consiga ver acima da lei. Porque se você for apenas sempre na média da lei, você nunca consegue superar a lei. Você também comentou sobre a questão da realidade, do direito natural, a questão do ser humano, do critério do que é justo e é até interessante porque o STF, durante muitos anos, recusou a realidade. Então, em vários julgamentos, falou que não importava o que dizia a realidade, o que importa é o que diz a lei, o direito positivo. E mais recentemente, o STF começou a levar em consideração a realidade. Então, tem vários julgados mais recentes na jurisprudência nos quais disseram “não tem como mais a gente ignorar a realidade”. Então, eu considero que a justiça brasileira está começando a evoluir neste sentido “vamos ver a realidade” porque não adiante só falar da lei virtual, não faz sentido. E, por último, só comentando um ponto aqui sobre o papel do juiz, da polícia, do fisco (o Professor aborda muito bem nesse livro), é a questão do exercício da violência autorizada pelo Estado. Ou seja, todo cidadão é obrigado a cumprir aquela lei, aquela norma, mesmo não sendo algo natural. Muitas vezes, olhamos um julgado e pensamos “mas isto não é justo”, “isto é um absurdo”, “eu não sou obrigado a fazer isto”, “que raio de liberdade, de livre arbítrio a gente tem?”. É muito relativo, né? E aí nessa questão também da liberdade, quando eu fiz a minha Pós em Direito Empresarial, eu tive aula com o professor Fábio Ulhoa Coelho e ele dizia a frase, não sei a autoria, “A liberdade escraviza, o Direito liberta.” Então, quando você passou aquela imagem, Dra. Adriana, das caixinhas, me fez lembrar imediatamente dessa frase. O Direito faz com que você tenha aquelas caixinhas para você equilibrar a isonomia. Seriam essas as considerações. Adorei a sua apresentação. É muito importante esse debate. Parabéns.

Flávia Azevedo: Boa noite, pessoal. Eu também gostaria de parabenizar a aula e a dissertação. Foi realmente fantástico tudo o que foi apresentado aqui. Eu gostaria só de trazer um exemplo para ilustrar, foi uma colocação feita recentemente por uma figura pública e que causou uma polêmica muito grande e eu acho que tem muito a ver com o direito natural, ética, moral. A indústria farmacêutica sugeriu que se fizesse testes com os presidiários e se refletiu sobre a utilidade dessas pessoas que estariam ali jogadas no cárcere sem serventia nenhuma. Algumas pessoas defenderam, outras ficaram horrorizadas. É um conflito sobre a dignidade da pessoa humana. Eu fiquei chocada de, no século XXI, ouvir uma declaração dessas. Acho que tem a ver com o que a gente refletiu aqui.

Érico Azevedo: Eu faria uma consideração que é a seguinte: quando a gente vai pra Filosofia, nós ouvimos que não existe exatamente a ética, mas existe o homem ético. Então, quem faz a ética somos nós. Nós que somos seres humanos e temos este problema no sentido social. De alguma forma, os animais, os outros seres que dividem esse planeta conosco, eles se utilizam tranquilamente daqueles princípios que estão bem postos naqueles duas, três obras que o Professor escreveu especificamente sobre o Direito. Lá tem uma questão sobre quem tem mais direito naquela relação, sobre aquela coisa, o direito distributivo. Tem toda uma série de princípios que derivam, como você falou, o direito à defesa. A partir do momento que eu sou uma identidade constituída nesse mundo, algumas coisas não são só direitos inalienáveis, como o próprio direito de acesso ao mundo da vida, como colocaria assim Husserl, mas é o direito de defesa, né? Ou seja, defender a identidade, nutrir a minha identidade, garantir determinadas relações de equilíbrio e de evolução. Óbvio que não caberia ao código garantir a evolução existencial de uma individuação. Mas como ele colocou naquele três pontos, garantir que o código pelo menos preveja, que não penalize aquele que busca essa evolução existencial. Você mencionou três pontos: responsabilidade, iniciativa e a criatividade. A possibilidade de criar é muito importante porque ela nos coloca efetivamente num horizonte que a gente pode falar, até mesmo, de líder. Então, é muito frequente a confusão que se faz com o conceito de líder. É uma palavra que o Professor utiliza com muita reserva, ou seja, a gente tem que saber discernir: não é porque alguém tem muito dinheiro que é líder necessariamente. Eu posso produzir muito dinheiro e não ser um líder. Ou seja, eu não sou um produtor de valores, de inovação, de ampliação de horizontes humanísticos. Eu dou sempre o exemplo da fabricação de bens duráveis que são fáceis de a gente fazer essa comparação. Por exemplo, você tem fabricantes de determinadas marcas de automóveis. Eles ditam o que é um automóvel. Eles criam uma espécie de mito em torno do seu produto. Eles conseguem transubstanciar o seu produto, a paixão em relação àquilo que eles fazem. E tem outras marcas que eventualmente vão apenas seguir e copiar. É líder aquele que produz imitando quinze anos depois? Quem é o líder na questão? Quando você usa essa palavra, líder, no conjunto da obra do Professor Meneghetti, temos que tomar muito cuidado, esse é um ponto. Mas a importância do líder na ordem social, na estrutura da sociedade. Porque favorecer aquele que efetivamente é um líder autêntico no Direito seria uma vantagem. Quando o Professor coloca aqueles três pontos, ele está essencialmente favorecendo a ação do líder autêntico na sociedade, aquele que produz ganho pra todos. Ali estou favorecendo a criatividade, a iniciativa. Este que quer fazer mais, que não quer ficar na linha média, ele quer fazer mais e, ao fazer mais, ele beneficia muitos, gera ganho pra muitos. E ele faz isso com responsabilidade, ou seja, se ele errar, ele paga o preço sozinho. Se ele acertar, todos são beneficiados. Então, ao menos que ele não seja penalizado. Então, o Professor está introduzindo na lógica do Direito a possibilidade de aquele que puxa as rédeas da história, aqueles seres humanos que tomam para si essa responsabilidade, que seja minimamente prevista a existência deles, a possibilidade de existência deles. Porque eles são a garantia para muitos.

Adriana dos Reis: Sim. O Direito, muitas vezes, castra impulsos que são positivos para o ser humano. Impulso de empreendedorismo, de liberdade, de iniciativa, de liderança, de inovação, em contextos onde todos sairiam ganhando.

Érico Azevedo: De tempos em tempos, quando a gente perde a justa medida, os homens autênticos percebem esse desvio e tentam trazer de volta para o caminho da retidão. Na cultura oriental, é muito importante o princípio da retidão, é um dos princípios da sabedoria, saber manter o caminho do meio. Então, sobre esta questão entre direito natural e direito positivo, parece que se trata de saber usar a lei, instrumentalizar a lei para alcançar a justiça. A justiça é o ideal, é o fim. As leis são os meios que eu preciso, os instrumentos para chegar naquele fim. Tem um filme muito bom que a gente poderia sugerir como estudo avançado para o pessoal que é “O advogado do diabo”. O sujeito instrumentaliza as leis da maneira mais absurda possível porque ele sempre vence as suas causas. Por exemplo, no caso de um assassinato, ele lança mão de um outro aspecto da lei pra mostrar que é sempre possível ver por uma perspectiva diferente, manipular de certa forma o código. Mostra como o código é frágil se quem instrumentaliza tem uma finalidade que não é a justiça. Deixa isso muito escancarado.

Ana Cardoso: Gostaria de parabenizar a palestra, a aula foi excelente. Gostaria apenas de trazer o ponto da exatidão do operador do Direito para poder visualizar essas questões, o pano de fundo da problemática humana e, como o Érico comentou, instrumentalizar o Direito pra trazer uma solução que muitas vezes não é a justiça entendida comumente, ou uma expectativa de direito que o cliente tem, enfim, o que a sociedade espera mas que, por vezes, é o que precisa ser a curto prazo, o operador ser função para trazer aquela resposta, seja para a empresa, seja para o direito de família, sucessório. Então, eu vejo especificamente a exatidão do operador do Direito, seja advogado, juiz, promotor. E como é belo o Direito dentro da sociedade. Eu vejo com um certo romantismo porque ele atinge a sociedade como um todo e é uma função social.

Adriana dos Reis: Com certeza. A gente fala sobre onde o Direito não basta, aonde ele ainda não chegou e o que lhe falta. Mas o Direito é, de certa forma, também uma arte e tem uma tremenda função humanística. Fico feliz que você tenha nos lembrado disso porque esse é mais um motivo para investirmos e nos esforçarmos para a evolução do Direito.